O Andarilho

21.02.2012

“DROMOMANIA é UMA NECESSIDADE INCONTROLáVEL DE 'ANDARILHAR'.

Foi com certa surpresa que recebi o e-mail de um amigo australiano que conheci no Mali, lá pela 4ª lua cheia dessa viagem. “Acho que descobri finalmente o diagnóstico para a nossa doença” escreveu ele. “Chama-se dromomania”. Mesmo não sendo hipocondríaco fui logo pesquisar mais na internet e encontrei a seguinte descrição: “Dromomania é uma necessidade incontrolável de 'andarilhar'. Pessoas com esse diagnóstico espontaneamente abandonam suas rotinas, viajam longas distâncias e adotam diferentes identidades e ocupações. O termo vem do grego: dromos (correr) e mania (insanidade)”.

 

Imaginem a minha cara de perplexidade ao ler isso num pequeno quarto de hotel na capital da Jordânia, Amman. Lá fora fazia frio e chovia já pelo terceiro dia consecutivo. Da janela do meu quarto ouvia os chamados para a oração muçulmana e os vendedores na rua vendendo uma fruta chamada “costela”. Eram dias de carnaval no Brasil.

 

Não que eu estivesse procurando uma cura para o mal mas não resisti em perguntar ao meu amigo se existia algum remédio para essa sinistra condição psicológica. “Aparentemente não”, me respondeu. “Pouco sabe-se sobre a origem e das formas de contágio”. Tentei identificar no meu passado quando começaram a aparecer os primeiros sintomas e tenho quase certeza de que me contaminei lendo livros do Júlio Verne na biblioteca da escola. Porém, mais provável ainda seja um caso de doença tipicamente genética ou cármica.

 

Bom, o jeito agora é aproveitar os sintomas e continuar a viagem nessa nova etapa que começou aqui em Istambul na Turquia. Chegar até aqui foi uma verdadeira aventura. Ela iniciou em Amman quando meu amigo Nidal, revendedor dos famosos doces e biscoitos turcos da marca Ülker, se ofereceu para levar-me até o aeroporto. No caminho, uma parada no restaurante do seu irmão para o último café árabe e a última shawarma, espécie de kebab, ou panqueca de carne (como é difícil explicar comidas!). Nem pensar em tentar pagar a conta, afinal, hospitalidade árabe nunca tem limites.

 

Andarilhos geralmente tem muito tempo e pouco dinheiro e essa é a única explicação que posso lhes dar para ter feito escala no aeroporto de Dubai que, se vocês olharem no mapa, parece não fazer nenhum sentido. Pois é, o mundo passa pelo aeroporto de Dubai, talvez o lugar com a maior diversidade étnica desses tempos modernos. Cerca de 20 horas de espera para o meu próximo voo até Istambul. Chato? Que nada. Melhor oportunidade do mundo para conhecer pessoas. Muito fácil começar uma conversa pois não há muito o que fazer em um aeroporto depois que você deu já várias voltas ao redor.

 

Conheci o cara do guichê de informações, um jovem de Uganda que mora em Dubai já há mais de 1 ano. Sua história é apenas mais uma das muitas que ouvi durante minhas viagens. O salário, de apenas U$300,00 dá mal para uma pessoa comer, morar e pagar as despesas da viagem. É essa a realidade do sonho de milhões de pessoas que abandonam seus países para trabalhar nessa cidade, orgulho da civilização contemporânea para muitos, vergonha de um sistema de escravidão moderna, na minha opinião. “Disneylândia de homens de negócios” segundo meu amigo Bruno Imbrizzi.

 

Conheci também uma brava chinesinha que abandonou a universidade para viajar pelo mundo. Sim, sozinha! Esteve recentemente no Irã e me deu várias dicas sobre o país que serão muito úteis na sequência da minha viagem. Conversei também com um misterioso grupo de americanos que trabalham para o governo fazendo sei lá o que pelo mundo. Serviço secreto provavelmente pois não me disseram que tipo de trabalho fazem na verdade. Promoção de instabilidade política, talvez.

 

Uma coisa que aprendi nessa viagem foi que viajar com companhias aéreas Low Budget (baixo custo) não tem graça nenhuma. Nem sequer uma bala ou copo de água de cortesia. Os comissários de bordo andam de um lado para outro sempre com a maquininha de cartão de crédito embaixo do braço. A única coisa gratuita mesmo é o banheiro que tem engraçadas instruções de como usar o vaso sanitário escritas em diferentes línguas indianas, singalês e árabe. O sinal tem um ícone de um cara de “croque” em cima do vaso com uma tarja vermelha cruzada sobre ele. As diferenças culturais possuem um apurado senso de humor.

 

Estou agora em Istambul na casa de uma amiga de uma pessoa que conheci há 7 anos atrás. O mundo é uma corrente na qual estamos todos conectados e, como diria o poeta, a vida é a arte do encontro. A hospitalidade turca até agora é sem precedentes e estou tentando ainda achar uma forma de pagar as contas quando saímos para comer ou tomar um café. Não sei de onde veio essa fama turca que temos no Brasil a qual já colocou o nosso querido ex-presidente Lula em saias justas na sua visita aqui em Istambul há um tempo atrás. Na verdade os turcos dos quais ouvimos falar, são em sua maioria pessoas que vieram da Síria ou Líbano com passaportes turcos para facilitar a entrada. Viajar é ainda hoje a melhor forma de abandonar preconceitos.

 

 

Até semana que vem, Insh'Allah, direto da Turquia.

Vista de Istambul com suas famosas mesquitas.

Café da manhã com vista para o estreito de Bósforo.

Dia de novas amizades em campus de universidade.

Edson Walker