O Andarilho

07.02.2012

PRIMEIRA COLUNA DA JORDANIA

Tudo bem, confesso, sou um andarilho de sorte. Que outra explicação eu poderia lhes dar? A viagem não para de me surpreender e continuo encontrando as pessoas certas, nos momentos certos, nos lugares mais incríveis perdidos aqui no distante Oriente Médio. Porém, a sorte precisa sempre de uma chance, de uma ação, de um pouco de coragem. Não estamos afinal muito expostos a ela confortáveis em nossas casas. Foi assim que eu vim parar aqui nesse deserto e posso agora escrever para vocês um pouco sobre a vida dessas pessoas que me acolheram em suas casas e sobre o lugar onde vivem.

 

Sob um chão árido de areia avermelhada rodeado por montanhas de pedras esculpidas pelo tempo foi fundada a vila de Wadi Ram, no sul da Jordânia. A mais de um século atrás, os nômades beduínos que habitavam a região, começaram a ficar acampados por mais tempo aqui perto de uma nascente de água. Alguns ficaram tanto tempo que, quando perceberam, haviam se transformado em beduínos sedentários quando começaram a construir casas permanentes no início do século passado.

 

Encontrei esse lugar meio que ao acaso, por sorte ou destino depois de ter cruzado a fronteira no sul de Israel. Minha viagem me parece hoje uma saga de pouco mais de 6 meses mas já tão longa que fica a cada semana mais difícil de ser contada ou compreendida. Acho que me entreguei ao acaso e está a cada dia que passa mais difícil de planejá-la. Perdi o controle que achava que tinha.

 

Saí da cidade de Aqaba, no sul da Jordânia, rumo a direção da magnífica cidade de Petra, uma das 7 maravilhas do mundo moderno. O dia estava ensolarado, a temperatura amena e, em busca de sorte, resolvi começar caminhando para aproveitar melhor a paisagem desértica com montanhas áridas ao redor. Na saída da cidade passei por uma blitz da polícia rodoviária e pensei que achariam estranho um andarilho caminhando solitário em plena rodovia e me fariam um monte de perguntas. Porém, com um sorriso e um Salam Aleikum me desejaram apenas as boas vindas ao país e uma boa viagem.

 

Admirado com a paisagem, segui adiante. Alguns taxis paravam para me levar a qualquer lugar que eu quisesse mas eu ainda estava aproveitando a viagem e seguia sempre adiante. Depois de uns 15kms, um policial de aparência calma e honesta, que estava voltando para casa após seu turno na cidade, me ofereceu uma carona. Nesse ponto meus pés já não estavam curtindo tanto assim a caminhada e resolvi aceitar o convite.

 

Após alguns 30kms tentando nos comunicar em inglês, ele me deixou em um cruzamento perto do vale de Wadi Ram e resolvi aceitar sua dica e conhecer esse lugar que já havia ouvido falar. A paisagem ao redor era lindíssima, com montanhas, plantações, grupos de camelos e cabras pastando a grama seca. Fui caminhando e tirando fotos, me sentindo a pessoa mais feliz do lugar, totalmente maravilhado com a beleza da região iluminada pela luz do sol ao entardecer.

 

Alguns kms adiante para mais um dos vários guias que trabalham na região levando turistas para conhecer o deserto. Mas esse era diferente e ofereceu apenas uma carona até a vila de Wadi Ram onde mora. Ataeyk, seu nome, durante o caminho, após uns minutos de conversa, ofereceu um lugar em sua casa onde eu poderia ficar de graça em troca de ajuda para responder alguns e-mails de turistas interessados em fazer passeios pelo deserto com ele.

 

O caminho para a vila é um dos lugares mais lindos que conheci em todas as minhas viagens. O sol estava  quase se pondo e iluminava ainda as montanhas ao redor do vale. Crianças jogavam bola nas ruas e mulheres voltavam com seus rebanhos de cabras após mais um dia de pastoreio pelo deserto. Saí com minha câmera para tirar fotos. Era um daqueles dias de sorte nos quais você sente-se vivo novamente.

 

No dia seguinte, Ataeyk me levou para conhecer a casa de seus pais e alguns dos pomares da família onde cultivam olivas e outras frutas. A família é grande e possuem várias propriedades espalhadas ao redor da vila. Três irmãos e 8 irmãs com várias crianças, tios, tias, sobrinhos e primos. Parece até que todos habitantes do local possuem algum grau de parentesco. Na casa de seus pais possuem várias cabras, ovelhas, galinhas e camelos. Dois filhotes de camelos nasceram nessa semana e me maravilhei ao vê-los tranquilos ao redor de suas mães.

 

Ontem a tarde choveu. Falo de uma chuva de verdade, daquelas de molhar a alma. Saí com as crianças para jogar bola na rua afinal, no deserto, dias de chuva são para se molhar. A Jordânia tem sido para mim uma grande surpresa. Um país lindo com um povo muito hospitaleiro e tranquilo. Tem muito ainda para descobrir e na semana que vem vou contar como foi a minha visita à famosa cidade de Petra, a principal atração turística do país.

 

Até semana que vem, Insh'Allah.

Final de mais um dia de pastoreio pelo deserto.


Camelo recém-nascido junto com sua mãe.

Vila de Wadi Ram em noite de lua cheia.

Edson Walker