Direito e Justiça

27.02.2019

Vamos falar sobre violência contra a mulher?

Madrugada de 16 de fevereiro de 2019. Na cidade do Rio de Janeiro, no bairro nobre da Barra da Tijuca, uma mulher era agredida por 04 (quatro) horas em seu apartamento numa fatídica tentativa de feminicídio. 
A vítima é Elaine Perez Caparroz, uma empresária de 55 anos. Seu agressor foi identificado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro como Vinícius Batista Serra, 27 anos.

Os dois se conheceram nas redes sociais e decidiram se encontrar para um jantar na casa de Elaine, depois de oito meses de conversa online.
A vítima ficou com o rosto desfigurado e vai precisar de cirurgia. Ela foi internada em estado grave no Hospital Lourenço Jorge e, em seguida, transferida para uma unidade particular.

O Brasil se chocou diante desta notícia. O mais chocante é que barbáries como essa, são noticiadas diariamente. Todos os dias, são 12 mulheres que perdem a vida em nosso País. A cada dois segundos, uma mulher é vítima de violência física ou verbal.

De acordo com a ONU, o Brasil é responsável por 40% dos crimes de feminicídio na América Latina. Ocupamos o vergonhoso sétimo lugar no mundo entre as nações onde mais mulheres são mortas em casos relacionados à violência de gênero, que é o que configura o crime de feminicídio.

Quantas “Elaines” já foram agredidas e mortas hoje? Quantas mulheres no mundo já foram vítimas de alguma forma de violência neste exato segundo?

Mulheres sofrem por muito tempo caladas. Muitas vezes não fazem a denúncia e quando o fazem nem sempre são ouvidas ou o atendimento não é imediato.  Há vários relatos de mulheres que sofreram agressão e ao procurar uma delegacia geral (não especializada) escutam perguntas do tipo: “mas ele já te bateu?”. Infelizmente, a tolerância da sociedade ainda é algo que se perpetua cotidianamente, inclusive dentro de estâncias que deveriam proteger a mulher e qualquer outro cidadão, um tratamento que só alimenta a impunidade.

A Lei Maria da Penha completa 13 anos em 2019. Ela é considerada pela ONU uma das três melhores legislações do mundo no combate à violência contra a mulher, só fica atrás das Leis do Chile e a Espanha, a primeira colocada. Contudo, a culpa colocada sobre a vítima de violência doméstica ainda é presente na maioria dos casos de agressão e feminicídio, impedindo muitas vezes que a Lei seja simplesmente aplicada. A violência contra a mulher é cultural, ela está enraizada em costumes sexistas de sociedades que enxergam a mulher como coisa a ser possuída, usada e jogada pelo homem.

O relatório global 2019 da ONG internacional Humans Rights Watch (HRW – Observatório dos Direitos Humanos, em tradução livre), divulgado no dia 17/01/19, define que há uma “epidemia” de violência doméstica no Brasil.

A ONG considera que apesar de a Lei Maria da Penha ser uma das mais avançadas do mundo ela não está sendo aplicada com a eficácia necessária e alerta para a escalada do abuso doméstico não notificado. Em 2017, 4.539 mulheres morreram no Brasil, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e, dentre essas mortes, 1.333 homicídios foram tipificados como feminicídio. “O número real é, provavelmente, maior, uma vez que a polícia não registra como feminicídio os casos nos quais a motivação não está clara”, alerta o relatório.

O documento também denuncia a precariedade da rede de apoio às vítimas da violência de gênero. Segundo dados recolhidos pela ONG internacional, 23 casas que recebiam mulheres e crianças em necessidade foram fechadas por corte de gastos nos últimos anos. Atualmente, há 74 abrigos abertos, em um país com mais de 200 milhões de habitantes.
A quantidade de delegacias de atendimento à mulher ou os núcleos especializados que existem em delegacias também caíram: passaram de 504 para 497 no período analisado pelo relatório.

Não podemos nos conformar com isso. Temos muito mais acesso à informação, muito mais esclarecimento, mais instrumentos legais de proteção e defesa, mas continuamos vivenciando esse aumento escabroso nos casos de violência e feminicídio. Seja violência física, moral ou sexual, as estatísticas apontam que esse massacre só cresce.

Precisamos trazer esse tema à luz em todas as esferas, discutir em sala de aula, educar e empoderar as meninas para que não aceitem nenhum tipo de discriminação ou assédio, que não tolerem nada que seja contra sua vontade. Mas, principalmente, educar os meninos, para que aprendam sobre respeito, acima de tudo.

Evoluir as mentalidades por meio de educação é uma proposta que se aproxima do ideal. É inclusive um dos objetivos do Projeto Despertar, que em São Paulo se tornou a Lei 16.732/2017. O projeto que originou a legislação - e que foi levado à esfera federal - é de autoria da vereadora Adriana Ramalho e foi idealizado e implantado pela promotora de justiça Gabriela Mansur.

A medida obriga homens que cometeram violência doméstica a participar de grupos de reflexão e discussão. Os resultados têm sido promissores. No Estado de São Paulo, onde o Programa Despertar atua há dois anos, os casos de reincidência da violência caíram de 65% para 2%.

Precisamos não só despertar consciência do crime cometido pelo agressor, mas também gerar a empatia para que o homem não volte a cometer o delito. Afinal, na maioria das vezes, a violência sofrida pelas mulheres é praticada em ambientes seguros. Ela é cometida pelo marido, o pai, o padrinho, o tio... Ela vem de onde mais se espera proteção e amor dos homens.

Até quando vamos tolerar que a discriminação com base no gênero continue a tirar tantas vidas? Briga de marido e mulher se mete a colher sim. Colher do Estado, da Justiça e da sociedade. Passou da hora do Brasil perceber isso.






Gabriela Esteves